Poetinha

A fome das baratas

 

Debaixo dos cílios

as baratas buscam fendas

entre

as tábuas da casa

buscam olhos abertos

nas fronhas e na palha.

 

As baratas

frias no silêncio da sala

batendo nas

cortinas engorduradas

o silêncio que fala

no rastro nocivo das babas.

 

Elas

debaixo das toalhas

trazidas no vento ora

lento ora violento e pária

que se anuncia num tempero

de alho e taras.

 

As baratas sem calma

pisam a superfície do mundo

a rigidez vermelha

de suas costas

e

o chão das bocas

onde os esgotos desembocam

auroras de barro.

 

Febril o desenrolar

dessas vidas

nos canteiros do estômago

nas calçadas por onde

passamos nos quintais

entre as folhas secas

e o tutano.

 

Lascivo o passar

cotidiano

das baratas no balcão

dos açougues

nas geladeiras entre

verduras e sopas.

 

Passar

como elas passam

por cima dos pratos

de louça.

 

Passar assim

roendo a umidade da terra

por baixo de galhos e pernas.

 

Esta é a vida

das baratas: percorrer com pressa

o câncer do abdômen

as rugas da testa.

 

Assim

elas se encontram no

ar que entra pelas janelas

e que respiramos sujo

e mofo

cheiro de favelas com

defuntos sem rosto.

 

Assim

as encontramos dentro

dos chinelos

depois de um dia de trabalho

nos bolsos do pijama

dentro dos espelhos.

 

Inútil

esperar que partam

ou assassiná-las

com berros  vassouras

martelos de pano.